quarta-feira, 20 de abril de 2011

Aula de Vôo

 O conhecimento
caminha lento feito lagarta.
Primeiro não sabe que sabe
e voraz contenta-se com cotidiano orvalho
deixado nas folhas vividas das manhãs.

Depois pensa que sabe
e se fecha em si mesmo:
faz muralhas,
cava Trincheiras,
ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber
levanta certeza na forma de muro,
orgulha-se de seu casulo.

Até que maduro
explode em vôos
rindo do tempo que imagina saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia
reconhecendo o suor dos séculos
no orvalho de cada dia.

Mas o vôo mais belo
descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar:
voltar à terra com seus ovos
à espera de novas e prosaicas lagartas.

O conhecimento é assim:
ri de si mesmo

E de suas certezas.

É meta de forma
metamorfose
movimento
fluir do tempo
que tanto cria como arrasa

a nos mostrar que para o vôo
é preciso tanto o casulo
como a asa


Mauro Luis Iasi. In_ META AMOR FASES: coletânia de poemas. São Paulo. Expressão popular. 2008. p. 32-33

Metamorfose de mãe

para Hebe de Bonfanini e as Madres de la Plaza de Mayo
Por Mauro  Luis Iasi


Quando ele nasceu
ela só queria ser mãe.
Quando ele deu seu primeiro passo
ela só queria ampará-lo.
Quando ele falou
ela só queria escutá-lo.
Quando ele cresceu
abriu-se nela um abismo.
Quando ele se tornou comunista
ela só queria persuadi-lo.
Quando a ditadura o levou
ela só queria morrer.
Quando ele desapareceu
ela só queria encontrá-lo.
Quando a noite engoliu seu corpo
ela só queria reinventar o dia
e acreditar que tudo era mentira.
Passou a gritar as luzes
nos necrotérios e nos quartéis
nos tribunais e repartições
nos comitês e nas reuniões
nas praças e nas ruas.
E quando comia o pão da amargura
e bebia o vinho da ausência,
enquanto aprendia a dura pedagogia
da militar prepotência,
nem percebeu a metamorfose
que acontece naqueles que buscando os outros
encontram a si mesmos:
Hoje ela não quer mais
nem a bandeira da tristeza
nem a impossibilidade da alegria,
ela agora só quer
aquilo que seu filho queria.

Mauro Luis Iasi. In_ META AMOR FASES: coletânia de poemas. São Paulo. Expressão popular. 2008. p.176-177

impunemente

O dia amanheceu impunemente, mas o vento sabia.
No mercado os indices suicidas se jogam das tabelas
enquanto o presidente encosta a arma na boca, mas não decide...
convoquem todas as tropas: está solto meu id.

Não sei por onde escapou, por quais
alçapoes, paredes falsas,
trilhas na mata, por qual vereda deserta, em qual quilombo,
por qual labirinto, por qual janela, em qual jaganda,
pelos olhos de quem... pelo corpo de qual amada?

Estava ali, triste e preso como sempre...
ainda ontem lhe neguei um beijo,
ainda ontem lhe pedi que esperasse,
ainda ontem lhe disse que não era a hora...

Estava inquieto, é verdade... pressentia.
para acalmá-lo li os horarios dos vôos
marquei reuniões, espliquei a importancia do trabalho,
pedi que medisse seu desejo pelo tamamho do salário.

Meu id está solto...
não levou relógio, esqueceu a agenda,
não levou roupa, não pagou as contas,
esqueceu de dormir e de comer...

No conselho de segurança o
medo brota...
F18 hornets entram em vôo cego.
Sete estados mobilizam suas frotas
em auxilio ao meu pobre superego.

O pentagono e o papa vacilam
entre a bomba e a culpa
e nas fabricas paradas, os operários que tudo faziam
decidem produzir orgasmos  no lugar
de mais- valia.

Mauro Luis Iasi. In_ META AMOR FASES: coletânia de poemas. São Paulo. Expressão popular. 2008. p.119-120